Considerações da Perdição
Faço minhas considerações nessa tarde. Enquanto na minha "caixa de músicas" toca um hit de verão meio indie-comercial, imagens me transpassam. Descolorindo um não-sei-bem-o-quê na casa do milhar. Lembrei do meu amigo recém adquirido e percebi que em minha alma não o reconheço como novo, mas sim como um velho aborígene. Lembrei da minha cadela, há muito falecida e senti falta daqueles brilhantes olhinhos tristes que, como todo ser canino, não soube aproveitar com a minha falta de gosto para esses seres. Vagueei pelo meu curso, por cada rosto e cada espaço daquela Fundição que, outrora fora mesmo uma fundição de metais... A roupa está na maquina de lavar e enquanto escrevo, a música muda na minha caixa e ouço a dupla Lennon-McCartney em "I Saw Her Standing There". Um casamento me lembra como a vida é veloz. O meu último encontro me lembra como o amor é difícil. E a minha vida passa... Nesse crepúsculo calorento num lugar perdido do Rio de Janeiro. Sinto a pequenez da minha existência pulsante e abastada de si mesma. A solidão da minha alma que há muito dispensou todas suas ligações com obrigações morais. Não sei bem a que vim hoje. Talvez pelo tédio, quem sabe pelo vazio. Admito que já não me aguento. Não aguento as minhas mini certezas. Já não tenho saco para grandes verdades. E quero o insólito da vida.
Algum tempo venho sonhado. Esperanças (vans?)... Alimento minha alegria diária com essa dose de realidade sonhadora. Essa que alçam meus pés num voo libertário. Não gosto de sentir fraqueza dentro de mim. Não gosto de existência inferior. Ou eu sou tudo, ou prefiro não existir. E enquanto aguardo a chuva que nunca vem aliviar o calor desse estado, penso nos motivos que me trouxeram até aqui. Aquelas crises que nunca conto à ninguém, às vezes, nem conto à Deus, mesmo sabendo da impossibilidade de me ocultar ante a Ele. Tão pesado me sinto em dias como esse. De alma cansada, de alma antiga, de alma vivida mais do que meus próprios anos. Essa minha mente que não cala. Essa minha boca que não fecha. Esse meu peito que não preenche. Essa vida que não se satisfaz em si mesma. Sou ávido por mais. Sou ambicioso por mais dessa vida. Mesmo não tendo coerência.
Há quem me leia? Há quem entenda? Escrevo pra quê, pra quem? Porquê escrevo? Para entender aquilo que gira e brinca comigo? Para saciar minha avidez pelo imaterial? Para brindar meus transgressores mentais? Talvez seja só para brindar o fruto proibido, aquele que mordi quando perdi o interesse pelo comum e adequado. Quando o sumo libidinoso desse fruto corrompeu meus desejos para o sagrado. O que é o sagrado? Talvez nunca tenha sido sagrado. Talvez não pertença ao paraíso. Mas se não me encaixo no inferno e já não há purgatório, onde diabos fica meu lugar? Talvez não haja lugar nenhum para mim e minha condenação seja vagar por essa Terra, onde os vermes devoram o meu tempo.
Já não sou
Mas existo
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