Histórias de Ônibus - Parte 2. "O Roqueiro do Reagge"...

Pois é! Nunca pensei que fosse encontrar um companheiro à altura da velhinha caduca. Mas encontrei! E acreditem, nunca vi nada igual! Imaginem um pleno sábado de feriado, você sai para trabalhar (pois trabalha no feriado. Que delíííícia!) de manhã e pega o 481 Apolo III x Niterói via BR 101. Entra no ônibus e vê uma menina com um case de violino e pensa no seu que está em casa e na vontade que você tem de aprender a tocar. Exatamente nessa situação que eu me encontrava no último dia 22 de novembro. Acho que o feriado era o da Consciência Negra, pois todo mundo tava falando do “dia dos pretos”.
Sentei na janela como de costume e respirei um pouco de ar daquela manhã quente e enfadonha. Completamente empolgado com o fato de ir trabalhar naquele dia, me inclinei sobre as costas da poltrona desconfortável e curti a música do meu fone. Quando estava quase viajando pra terra de Morfeu ouvi um: “Caracaaaaaaa!!!!!!!!! Que instrumento é esseeeeeeeeeee????!!!!!!!!!!!” Olhei pra frente assustado com o grito e vi um cara aparentemente jovem, na flor dos seus vinte e oito, vinte e nove, por aí. Ele olhava com uma cara bestializada para a menina do violino que estava umas três fileiras à minha frente. Ele tinha uma pele quase negra, brilhante e acanelada. Seus cabelos lembravam aquele pessoal que curte um reagge, um negócio meio dread e ele usava uma camisa preta e velha de uma banda de Rock pesado qualquer. Percebi que sua roupa e aparência destoavam completamente da camiseta; bermuda azul-esverdeado, chinelos e aquele cabelo esquisito e indefinível. A menina do violino, educadamente respondeu que aquilo era um violino e ele soltou um: “Caracaaaaaaaaa!!! Você toca?! Que maneeeeeeeeiroooo!!!” O som da voz dele era parecido com aqueles malandros cariocas do século passado. “Sabe qual é menina?! O negócio agora é ganhar dinheiro! Sabe o que é que tá dando dinheiro agora?! Entrar numa banda. – E o diálogo virou um monólogo – Mas não é qualquer banda não! É aquelas bandas como é que diz? ... Hum... Aquelas banda de rock... Hum... Rock gótico! Metálica, Evanescence, ... ( não me lembro o nome das outras que ele usou). Sabe qual é, né?!” Cá com os meus botões pensei: “Senhor, do que é que esse homem tá falando?! Caraca, outro maluco de ônibus não. Não é possível!”. A conversa, ou melhor, o monólogo durou mais uns minutinhos e ele sentou-se no último banco a minha esquerda. Eu estava quase naquelas últimas fileiras traseiras do lado direito do ônibus e pensei. “Ai, glória a Deus! Agora ele vai calar a boca! Ele não é maluco, só é um pouco alegrinho!”. Depois desse breve pensamento ouvi ele falando SOZINHO: “Ah, hoje é feriado dos preto! Hoje tá bom pra beber uma cervejinha, ir pra praia!” – “Nããããão!” Eu pensei . Depois ele falou: “Jesuuuuuus, liberou geraaaaaaaal!!!!!!! Tá todo mundo liberado! Jesus disse assim, sobe toooooodooo muuuundo! Sobe geral! Tá tudo liberado! Jesus liberou geraaal!!!” Aí eu pensei “Pronto!” e comecei a rir sem parar. E ele continuou: “Jesus tá liberando!!!! Galera, vai todo mundo pro andar de cima!!!! Geraaaal pro segundo andar!!!” E eu morrendo de rir tentando me conter pensei: “Gente, do que esse homem tá falando?! Jesus, tem misericórdia! Outro? Não acredito... Isso é perseguição!”. Depois de uns minutos falando mais coisas que eu não me lembro ele disse: “Tenho que ir lá no Jurujuba, eu tava lá! É gente! Tô com saudade do manicômio! Maluco! Tem que tomar remédio, sabe qual é, né?! E comer almôndega com frango! Vou lá comer almôndega com frango, almôndega com frango – Nessa hora ele fez uma coisa que eu eu achei muito macabra. Riu de um jeito muito estranho!!! Parecia uma crise de asma misturado com uma tentativa de riso desenfreado. Tipo aquelas pessoas doentes que dizem “ Eu sou norrrrrrrmaaaaaaaaalll!!!!! Aham, aham, aham!!!” Mais ou menos assim... – Almôndega com frango”. Aí eu pensei: “Almôndega com frango?! Jesus, tá amarrado! Que coisa macabra essa risada, dá medo!!!! Senhor!!! Gente, eu tenho que escrever isso no meu Blog. Ninguém vai acreditar! Cara, essas coisas só acontecem comigo!!!!”
Só sei dizer que o homem falou o tempo todo. Falou cada coisa... E eu tentava controlar minhas crises de riso. Depois de um tempo ele desceu do ônibus exultante e feliz. Aparentemente ele não era doente, mas quando abria a boca pra falar, só saíam coisas desconexas. Desceu. Uma figura surreal, com uma sacola, dançando feliz na rua. Deu “tchau gente” e falou mais umas coisas. Por um momento tive a ligeira impressão de que ele achou que nós éramos os melhores amigos dele. E impressionantemente achei que algumas pessoas são felizes mesmo sendo loucas. E também pensei na possibilidade de nós sermos loucos e os considerados “loucos” pela sociedade serem mais normais do que imaginamos.
Sintam-se abraçados e amados...
>>Serdera<<

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